Para falar sobre o tema Be a part of something bigger, convidámos o psicólogo João Mota. As suas palavras engrandeceram a página da Geração S+, que mensalmente sai no semanário Região de Cister. Hoje, partilhamos na integra, todas as perguntas e respostas. Um verdadeiro momento de reflexão que nos faz questionar muitas coisas na vida.
“Fazer parte de algo que realmente acreditamos ser maior que nós mesmos". Isso ajuda a responder à pergunta: por que estamos aqui?
Sim! Sem dúvida. Parece que se nos ligarmos a algo em que acreditamos e maior que nós mesmos – espiritual ou não – faz com que sejamos mais saudáveis e felizes. E faz todo o sentido que assim seja. A procura de um significado para estarmos aqui. Há alguns dias numa conversa com um adolescente, ele dizia-me: “Um dia, quando tinha 8 anos, questionei-me: Porque é que estou a acordar agora mesmo? – essa pergunta foi como que o início da avalanche em que se tornou a minha vida… de tudo o que ando a pensar até agora… aos 19 anos. Poderia ser uma pessoa extremamente simples, descomplicada, mas aquela pergunta teve de surgir naquele dia... o desafio é acordar todos os dias e ver o que cada um me reserva…”.
Tal como todos nós, este jovem adolescente busca incessantemente um significado para a sua vida, algo frequente nesta fase do desenvolvimento, a tentativa de encontrar uma fonte de conforto e de força em momentos difíceis, de uma ajuda para os momentos de solidão. Trata-se de algo que tem de ser descoberto pela própria pessoa. Enquanto para muitos de nós, os nossos relacionamentos com outras pessoas são a principal fonte de significado nas nossas vidas – relação com os pais, os amigos ou os membros de uma comunidade, para outros é a religião ou algo espiritual. Outros encontram este significado num trabalho, numa atividade, movimentos de defesa da natureza, do ambiente...todos são importantes...
Porém, o que é realmente importante é que este sentimento de pertença se faça não por ser moda como muitas vezes acontece, mas porque realmente é algo em que acreditamos, sem cair em extremismos ou interesses políticos, económicos ou outros.
Como e onde encontramos o significado e o propósito da vida?
É uma pergunta para um milhão de euros. Acho que depende dos percursos de vida, das prioridades que fazemos, das experiências que vamos tendo, dos encontros e desencontros, das pessoas que se vão cruzando connosco, da forma como decidimos os nossos relacionamentos, dos amores e (des)amores, das verdades, das mentiras, das encruzilhadas em que nos metemos, das escolhas que fazemos relativamente à nossa família, amigos, o estilo de vida que optamos. E claro, é preciso que ter sorte. Porque há quem nunca encontre uma resposta para tudo isto.
Encontrar (e fazer) o que nos faz sentir vivos muda tudo?
Sim! Claramente. Experimentem perguntar a alguém: “O que te faz despertar, ou acordar todos os dias?” – a resposta é normalmente aquilo que nos faz sentir vivos. Fazer ou pertencer a algo realmente importante faz a diferença na vida de qualquer pessoa. Pode ser a chave para se ser feliz. Mas existe a outra face da moeda. Imaginem um trabalho. Quantas pessoas trabalham numa área que não gostam e fazem-no “apenas” pelo dinheiro. Mesmo sentindo-se compensadas pelo que fazem, é inevitável que o seu grau de motivação e de prazer seja reduzido. Alguns tentam arriscar na procura de algo, outros preferem “acomodar-se” ou não sair da sua zona de conforto. A verdade é que isso nem sempre é possível. Todos/as querem mudar desde que isso não implique mudança nas suas vidas. Ora isso é impossível. Logo, importa sensibilizar para esta alteração de paradigma. Todos/as podemos ajudar, contando experiências, motivando, ponderando opções, escutando, estando alerta para alguns sinais. Nunca é tarde para mudar. O que acontece às pessoas que não encontram o que os pode fazer voltar à vida? – Ficam doentes, vão ao médico, são medicadas e continuam a trabalhar – se o conseguirem - até se reformarem.
O propósito de ser parte de algo maior é compaginável num contexto familiar, social e profissional?
Se fazemos parte de algo maior, de qualquer coisa que acreditamos e significa muito para nós, fará sentido que essa coisa e esse momento possam ocorrer nos vários contextos da nossa vida. Se nos ligamos a algo maior é porque acreditamos, logo podemos e devemos partilha-lo com a nossa família, amigos e porque não com os nossos colegas de trabalho. Não faz sentido que nos liguemos a algo maior se com isso deixamos de ter tempo para a família e para os amigos. Devemos estar atentos. Com a desculpa de nos ligarmos a algo maior, não estaremos a alienarmos daquilo que realmente importa? - Qual é o real significado que atribuímos à família e aos amigos? – A má utilização das redes socias ou das novas tecnologias ao invés de nos unir às vezes acaba por nos afastar. Não queremos que isso aconteça sob o pretexto de estarmos “ligados” a algo maior.
Mergulhar na nossa verdadeira natureza, como quem diz, no nosso eu, poderá ajudar na busca de respostas e a conquistar paz?
Sendo algo naturalmente difícil porque vai ao encontro da nossa racionalidade, mexendo inevitavelmente com as nossas emoções mais profundas, o processo de autoconhecimento acaba por colocar à prova as nossas angustias, paixões, medos e terrores. Por essa razão, às vezes ficamos relutantes em aceitar esta viagem. Trata-se no fundo de nos conhecermos melhor para assim podermos enfrentar o mundo, ajudando a compreender os outros assim como a sua realidade. A questão remete para algo que deveria ser trabalhado desde a infância, nas famílias e nas escolas – A inteligência interpessoal. Se desenvolvermos a capacidade de nos compreendermos, sabendo identificar as nossas emoções e em consequência disso, resolver problemas, tomar as decisões mais adequadas mas também identificar as nossas limitações, seremos certamente cidadãos mais conscientes e capazes de enfrentar o dia a dia. Porém, mergulhar em nós implica investimento, tempo e sobretudo muito treino. Não sabemos se este mergulho nos facilitará a conquista da paz, mas certamente irá dar-nos a possibilidade de nos apreciarmos e aceitarmos como somos realmente, encontrando outras respostas, num caminho nem sempre linear.
Será que as pessoas sabem amar-se a elas próprias?
Não duvido que saibam. Se calhar esqueceram-se de como é gostar delas. Na azafama da vida por vezes esquecemo-nos de nós. - Do que gostávamos. Será que ainda gostamos? – Dos amigos que fazíamos. Há quanto tempo não lhes ligamos? Vivemos com a convicção que temos de ser filhos perfeitos, irmão heroico companheiros dóceis, superpais, seres invencíveis. Preenchemos tantos papeis na nossa vida que às vezes nos esquecemos de quem nós somos. Vamos a mais uns clichés. Se não temos tempo para nós, como podemos tratar bem dos outros? – Será que podemos cuidar dos que estão à nossa volta se não formos capazes de cuidar de nós?
Urge que reflitamos sobre isto, que mergulhemos no nosso interior mais profundo e façamos alguns exercícios de autoconhecimento, o que nos faz rir, a nossa música preferida, o vinho, o prato preferido. Há dias, alguém me dizia que não cozinhava há vários anos porque morava sozinha e não valia a pena... Importa que nos aceitemos tal como realmente somos, que saibamos claramente o que nos deixa feliz e o que nos deixa irritados. Que sintamos raiva, que não tenhamos medo de dizer que sentimos MEDO e não receio, porque parece mal e estamos a expor o nosso “eu”. Com tudo isto é importante que sejamos assertivos e que sejamos capazes de dizer que “SIM” quando o nosso coração sorri e “NÃO” quando ele não concorda com o que estamos a pensar. Sim, porque o nosso cérebro também nos trai e os pensamentos nem sempre são brilhantes... às vezes é preciso descartar alguns, mandá-los para o lixo.
Será que os jovens se escondem em camadas moldadas pela sociedade?
Claramente. Por exemplo, toda a gente quer estar na moda. No entanto, esquecemo-nos que as modas criadas são exatamente o reflexo ou as próprias camadas que a sociedade molda ou cria. Essas camadas acabam por funcionar como uma espécie de protetor solar, muitas vezes com efeitos perversos para os jovens. Estes acabam por aderir às tendências julgando que o estão a fazer conscientemente, mas são completamente influenciados. Por exemplo, se analisarmos o caso das roupas verificamos que elas contêm simbologias que representam, além da aparência física, um estado de espírito e a possibilidade de representar diferentes papéis na sociedade. No entanto, durante a adolescência, onde a procura por uma identidade é mais intensa, os jovens têm urgência em serem aceites e procuram estar de acordo com o “padrão ideal de beleza” vinculado pela imprensa. As campanhas publicitárias, enquanto estratégias do marketing de moda adolescente, têm reforçado a existência dessa imagem ideal, o que contribui para uma não-aceitação da autoimagem, levando até, em alguns casos, a perturbações do foro alimentar. Tal como em outras vertentes da sociedade contemporânea, a moda, embora contribua de forma positiva, na construção da identidade do adolescente, a forma como ela é apresentada e oferecida a esse jovem, é através de vias nocivas ao seu desenvolvimento. Trata-se de uma padronização de um ideal de beleza, veiculado por uma “máquina” de publicidade que visa controlar/moldar a própria sociedade com o intuito de atingir interesses económicos.
De que forma podemos ajudar os adolescentes a construir o seu caminho, sem beliscar o que sentem interiormente?
Podemos dar-lhes a oportunidade de participar efetivamente em encontros, reuniões, seminários, locais onde se fala sobre juventude, adolescência. Que expressem as suas opiniões sobre o que eles acham que é realmente importante para melhorar a sua vida. Chega de espaços onde se fala sobre jovens e os seus comportamentos, mas onde olhamos à nossa volta e só vemos técnicos e pessoas cheias de responsabilidade e poder de decisão. Se compete aos adultos decidir, ao menos que escutemos o que os jovens têm para nos dizer. Não podemos nem devemos impor-lhes as nossas ideias, muito menos se não os ouvirmos com atenção. Numa palavra: respeitá-los. Depois lembrar-nos que também nós já fomos adolescentes, algo que às vezes parece estar tão distante e esquecido. Outras vezes queremos ser “amigos” e agimos como se tivéssemos a idade deles. Implica sempre que exista uma relação de confiança e esta só pode ocorrer se for construída com tempo. Nem sempre é fácil e também não é quando nós queremos. O “hoje vamos ter uma conversa” como às vezes ouvimos, se algo não está a correr bem, não é certamente o melhor caminho. A conversa e o diálogo deve acontecer ao longo do tempo e não apenas nos momentos em que algo corre mal. Também nos momentos bons sabe bem um elogio e uma conversa sobre isso. Se essa relação de confiança existir e for saudável, eles vão ouvir-nos e aí podemos e devemos ajuda-los a encontrar respostas para as suas dúvidas, conversando com eles, falando-lhes da nossa experiência (porque não), apontando exemplos, caminhos, não esquecendo que o caminho a percorrer é deles. Podemos apontar caminhos, mas serão eles (adolescentes) que os terão de percorrer. Muitos jovens quando chegam a momentos em que têm de decidir (10º, 12º anos) não sabem verdadeiramente ainda o querem fazer. Isso não é o “fim do mundo” é algo perfeitamente normal. O que já não é tão aceitável, mas acontece todos os anos, é um jovem ser “obrigado” a ir para a universidade e para um curso, só porque os colegas também vão e ele sente-se na obrigação de “seguir com a manada”. Porque não parar um, dois anos, (gap year) aproveitar esse tempo para experimentar coisas novas, trabalhar para ganhar algum dinheiro e perceber que ele se gasta demasiado rápido, adquirir experiência, pensar melhor e então decidir, com a nossa ajuda, claro. Queremos tudo tão rápido que quase não saboreamos os momentos. Por fim, como em todos os caminhos existem altos e baixos, momentos em que inevitavelmente surgem dúvidas, inseguranças, medos. Importa manter a calma e lembrar-nos no nosso percurso enquanto adolescentes. Os momentos de crise e de stress são normais, não existe crescimento sem “dor”. É necessário que o caminho fique marcado para que o adolescente o recorde e possa fazer a sua avaliação. No fundo perceber se o percurso foi ou não o mais adequado e se deve procurar outras alternativas.