SOBRE A CURIOSIDADE DO SEU FILHO. SOBRE A IMPACIÊNCIA DOS VOSSOS PAIS.

21 Mar 2019

SOBRE A CURIOSIDADE DO SEU FILHO.

SOBRE A IMPACIÊNCIA DOS VOSSOS PAIS.

 

PAIS:

Tenham calma, tenham mesmo muita calma.

Ele ou ela está naquela idade que faz ferver os miolos de qualquer adulto - até porque os miolos que agora fervem foram (in)devidamente lijitados, há umas décadas atrás, com mensagens taxativas do tipo Cala-te! És um chato! Línguas de perguntador!

Mas, apesar disso tudo, mantenham a calma. Já passaram muitos anos desde os tempos em que a vossa curiosidade foi mal recebida e despertou reações de impaciência de pessoas que têm paciência limitada, em tempos em que a curiosidade, toda a curiosidade, era vista como uma impertinência.

Por isso, não se “vinguem”: não façam aos outros (aos vossos filhos) aquilo que não gostaram que os outros (os vossos próprios pais) lhes fizeram.

E não vale dizer que, apesar dessas proibições chegaram onde chegaram: imaginem onde poderiam ter chegado sem essas castrações… Imaginem a fantasia que poderiam ter desenvolvido, a imaginação que poderiam ter potenciado, as barreiras suplementares que poderiam ter derrubado…

Muitos de vós ainda são filhos de um tempo em que o conhecimento nem sempre foi visto como uma coisa boa - pelo menos, como "uma coisa boa para todos". Na verdade, o conhecimento dá valor às pessoas, torna-as melhores, mais poderosas. Por isso, de algum modo, o conhecimento também é perigoso - e é por isso que os regimes totalitários o regulamentam ou o condenam.

Muitos de vós ainda creram ( ou creem) numa determinada narrativa da criação do mundo, em que a árvore do conhecimento do bem e do mal marcava um limite que o homem não deveria ultrapassar.

Porém, hoje, já quase não há pais assim, pais que queiram os filhos sempre debaixo das suas saias. Hoje, os pais sabem que a solução pode estar em Londres, em Pequim ou Nova Iorque. E, por isso, em vez de guardarem os seus filhos para si, empenham-se para lhes comprar asas que os levem onde quer que a sua felicidade e competência se manifeste, seja isso em Vancouver, Berlin ou Tokyo…

Porém, para que isso possa acontecer - sem esperarmos que o(a) nosso(a) filho(a) seja o génio que faz vergar a realidade – é preciso investir. E o mais importante investimento é de natureza afetiva. Se o vosso filho pergunta, escutem. Essa idade dos porquês é uma idade fantástica – que pode fazer a diferença entre uma pessoa naturalmente inquieta face ao conhecimento ou uma pessoa conformada com o que os seus olhos veem, mas não questionam. Neste aspeto, tive uma sorte enorme. Lembro-me de, ao carrachucho do meu pai, o massacrar com perguntas intermináveis. Numa das vezes, verifiquei que, num prado gelado, havia algumas linhas verdes. Porquê, perguntei eu. Porque, naquelas linhas passa água, disse o meu pai. E lá o fui massacrando com mais porquês. E, quando lhe perguntei porque é que a água não gelava, o meu pai disse-me algo que, naquela altura, também era para mim uma resposta definitiva: porque Deus quer!. Ah!, disse eu. E a coisa acabou.

É verdade que, noutras alturas, me respondia com menos paciência cristã: são línguas de perguntador! E eu, que não queria ficar sem língua, travava todas as perguntas a haver.

 

FILHOS / ALUNOS:

É possível que ainda desconheçam muitas coisas (por isso é que fazem, ou fizeram, tantas perguntas), mas devem ficar a saber que a curiosidade, a pergunta, nunca gozou de muita simpatia junto das pessoas crescidas. Na verdade, uma pergunta desestabiliza, obriga alguém a pronunciar-se. Ora, na imagem tradicional do mundo, os novos ouvem os mais velhos; não os põem à prova com perguntas. Por isso, na “sabedoria popular” (que, muitas vezes, pouca sabedoria tem…), por norma, "a curiosidade mata" - quer seja o cão, o gato, o galo ou o frade…  

As coisas, entretanto, vão mudando e, hoje, a curiosidade é muito mais associada a uma virtude do que a um defeito. Considera-se facilmente que uma mente curiosa é um bom começo para uma vida bem sucedida.

Embora saibamos que as escolas, como todas as instituições, tendem para a autodefesa, para recusarem o diferente, acreditem que as elas albergam no seu interior verdadeiros “revolucionários”, alguém que está sempre a pensar numa maneira alternativa de fazer as coisas que “sempre se fizeram assim”.  Acreditem também que este fermento está a levedar massas cada vez mais significativas de instituições e de pessoas e que os “perguntadores”, em vez de temerem pelas suas línguas, devem esperar que a curiosidade (que a idade vai modelando, transformando e sofisticando) seja um argumento importante a militar pelo sucesso das pessoas.

Mantenham-se, pois, ao longo das vossas vidas, curiosos, sem deixarem que a inocência “perguntativa” da idade dos porquês se transforme em impertinência atrevida. Parafraseando um filósofo de quem muito gosto (Kant), há um tempo em que devemos abandonar a menoridade (culpável ou inocente) para abraçarmos uma maioridade responsável

Por isso, aos jovens da “Geração S+”eu gostaria de fazer um convite: Sejam, e mantenham-se, curiosos, mas recusem a impertinência!

Gaspar Vaz